Tempestades provocadas pelas alterações climáticas, ciberataques, pandemias ou terrorismo são alguns dos novos riscos que ameaçam as cidades e os territórios. Para enfrentar estes desafios, a União Europeia está a financiar um projeto internacional, o AGILE (Better Disaster Risk Management for Unexpected Events), que tem o contributo de dois parceiros portugueses: a ENA – Agência de Energia e Ambiente da Arrábida, e a Factor Social, uma empresa de psicologia aplicada às questões sociais e ambientais.
A iniciativa envolve 14 entidades de nove países e diferentes áreas de atuação, como universidades, ONGs, peritos, equipas de intervenção e autoridades locais, regionais ou nacionais, e tem como objetivo criar novas ferramentas e metodologias que ajudem a compreender, antecipar e gerir os eventos de “alto impacto e baixa probabilidade”, também chamados de HILP (High Impact Low Probability). Exemplos de grande visibilidade nas últimas décadas não faltam, como a pandemia de Covid-19, o acidente nuclear de Fukushima, no Japão, ou os ataques do 11 de setembro nos Estados Unidos, mas neste trabalho também são considerados outros eventos persistentes, nomeadamente secas ou inundações.
Um dos primeiros passos do projeto passou por definir várias áreas piloto, que irão estudar e testar a capacidade de resposta dos diferentes intervenientes, as possíveis consequências de determinados eventos e as vulnerabilidades de cada território. Uma dessas áreas é o concelho de Setúbal que, como explicou à Smart Cities a Diretora Executiva da ENA, Cristina Daniel, reúne vários fatores importantes para a investigação: “esta zona tem diversas vulnerabilidades, como a proximidade do mar e um edificado algo degradado numa cidade com grande densidade populacional, o que é muito relevante em caso de sismo ou tsunami, sem esquecer que Setúbal tem muita indústria que lida com químicos”.
Embora a maior parte dos parceiros do AGILE sejam instituições académicas e de investigação, a agência de energia e ambiente portuguesa também foi selecionada graças ao trabalho desenvolvido no âmbito do projeto PLAAC Arrábida, que resultou em três Planos Locais de Adaptação às Alterações Climáticas, nomeadamente para os municípios de Setúbal, Palmela e Sesimbra. “Estes planos de ação acabam por ser um importante contributo porque, além de uma identificação detalhada do território e das suas vulnerabilidades face às alterações climáticas até daqui a 100 anos, também identificou uma série de medidas que visam a resiliência do território às alterações climáticas”, diz Cristina Daniel.
No caso português, a importância e abrangência deste projeto está longe de se cingir apenas ao município de Setúbal porque uma das missões do AGILE passa por desenvolver metodologias escaláveis e replicáveis que ajudem a melhorar a gestão do risco de catástrofes. Assim, apesar da ENA testar as diversas ferramentas neste concelho, mais tarde poderá extrapolá-las aos municípios da região, como Palmela e Sesimbra, bem como a toda a Área Metropolitana de Lisboa. Além disso, acrescenta a responsável da ENA, outros territórios do país poderão tirar partido deste trabalho, uma vez que “pretende-se envolver toda a Rede Nacional de Agências e Energia e Ambiente (RNAE), seja em termos de disseminação de informação e até, eventualmente, de participação em algumas sessões e eventos”.
Já a nível internacional, a repercussão do AGILE chegará, desde logo, aos outros países com parceiros envolvidos, como a Alemanha, a Roménia, a Itália, o Reino Unido e os Países Baixos, mas também a Ucrânia (que nos lembra a origem humana de algumas catástrofes) e ainda a Islândia, um país particularmente afetado pelas consequências dos vulcões. Esse foi também um dos motivos que levou o Pacif Distaster Center, no Havai (Estados Unidos), a juntar-se ao projeto.
A Factor Social, que desenvolve projetos no âmbito dos estudos psicossociais e do ambiente, é a outra parceira portuguesa no projeto AGILE. Neste caso, a empresa assume um papel importante na definição e aplicação da metodologia às diferentes cidades envolvidas, incluindo as escolhidas para os testes de stresse. Irá também atuar nas áreas da perceção de risco, da comunicação de crise e da gestão de risco, ou seja, terá uma forte participação no envolvimento das comunidades e na definição das mensagens de comunicação.
Além deste papel a nível técnico e social, com uma grande abrangência metodológica, “a ideia passa igualmente por criar valor para a cidade de Setúbal, integrando as vertentes das infraestruturas críticas, dos testes de stresse e da resiliência das comunidades”, diz Dalila Antunes, Diretora Geral da Factor Social. Isto, porque “se é certo que estas infraestruturas têm uma função relevante – já que sem comunicações, energia ou água é difícil executar respostas -, também é fundamental que as pessoas estejam preparadas para este tipo de cenários, quanto mais não seja com informação básica sobre o que devem fazer”, explica a perita. Para isso, está previsto o envolvimento de vários stakeholders, como a Proteção Civil, bem como de diversas associações locais e representantes da sociedade civil.
Nesta tentativa de preparar a resposta das cidades e territórios para as catástrofes é, igualmente, fundamental considerar a temática da perceção do risco, uma vez que “quando se fala de desastres relativamente recorrentes, as pessoas já têm alguma experiência a lidar com eles, mas quando estes são pouco prováveis tendem a ignorá-los ou a achar que só vão acontecer aos outros. E não podemos promover este pensamento do ´se acontecer`, porque a verdade é que vão mesmo acontecer, resta saber quando”, alerta Dalila Antunes.
Neste contexto, torna-se interessante analisar a cultura do risco nos diferentes países (também por isso o AGILE tem parceiros de diferentes regiões da Europa e do Mundo), porque “se nos países do Sul há uma cultura de pensar que alguém estará responsável, noutros, como a Holanda, as políticas e as mentalidades assumem uma reposta em comunidade”. Também por isso, o projeto vai debruçar-se sobre uma questão essencial: Havendo um risco comum a todos, porque razão alguns acabam mais afetados que outros? Para a especialista da Factor Social, isso “não tem a ver, necessariamente, com a exposição ao risco, mas com a forma como estamos interligados”. Como tal, “é preciso olhar não apenas para o risco e para o que vai acontecer, mas também para as características das comunidades nestas organizações que, quando expostas a um mesmo evento, acabam por responder de forma diferente e conseguir adaptar-se melhor”, conclui.
O projeto AGILE arrancou oficialmente em outubro deste ano, com uma reunião em Veneza, Itália, e tem uma duração prevista de 48 meses, até 2025. É financiado pela União Europeia no âmbito do Programa Horizonte Europa.